Várias pesquisas para medir os serviços que mais irritam a população ou mais insatisfações causam aos usuários vêm atestando que telefonia e abastecimento de água e energia elétrica são os campeões imbatíveis do desagrado. Os serviços de proteção ao consumidor e até o Judiciário colecionam reclamações que vão desde a incapacidade de prestar atendimentos prosaicos, como a religação de fornecimento de água ou luz, até a mais grave das queixas, os abusos tarifários que vêm sendo praticados pela Energisa e Águas Guariroba, as concessionárias responsáveis.
Quando o Estado se desfez da Empresa de Energia Elétrica de Mato Grosso do Sul (Enersul), no segundo governo de Wilson Barbosa Martins, o que era público e tinha um caráter social efetivo passou a ser gerido pelo olhar predominante do privado, que prioriza o lucro. Em novembro de 1997, a Enersul foi privatizada ao ser leiloada na Bolsa do Rio, adquirida pela Escelsa (Espírito Santo Centrais Elétricas), representada pela corretora Unibanco, com um lance de R$ 625,5 milhões por 55,36% do capital e um ágio de 83,79%. Do total de ações vendido, o Estado só era dono de 40%, pois 60% haviam sido comercializados com a Eletrobrás.
Desde então a concessão dos serviços de energia elétrica em Mato Grosso do Sul passou por diferentes mãos controladoras e ficou com o Grupo Rede até abril de 2014, quando entrou em cena a Energisa, que ficou com as regiões da Enersul e de outras sete distribuidoras que estavam desde 2012 sob intervenção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Na época, o mercado que a Energisa abocanhou tinha seis milhões de clientes (equivalente a uma população de 15 milhões de pessoas) em 788 municípios de nove estados, com 912 mil consumidores sul-mato-grossenses em 74 cidades.
LUCROS GORDOS
Hoje, com um universo de atendimento calculado em 20 milhões de pessoas, a empresa é o quinto maior grupo de distribuição de energia elétrica no País em número de clientes, controlando 13 distribuidoras em 862 municípios de 11 estados: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Sergipe, Rio de Janeiro, Tocantins, São Paulo, Paraná, Rondônia e Acre. O Grupo Energisa teve lucro líquido consolidado de R$ 1,2 bilhão em 2018, um aumento de 106% em relação a 2017.
Com esses dados não é difícil entender porque a Energisa ocupa um dos postos mais elevados de rentabilidade financeira do mercado. Monopoliza a prestação de um serviço essencial à vida do ser humano. Os milhões de brasileiros pagam por isso, é evidente. Mas o preço é elevado demais, abusivo, desumano, como indicam os boletos de cobrança das concessionárias.
Além de cobrar caro, a empresa manda para escanteio a perspectiva social e humanista quando determina a seus funcionários que cortem o abastecimento de quem atrasa o pagamento. Houve um tempo em que a política de atenção aos atrasos era bem mais tolerante. Hoje, dias recessivos, com as maiores taxas de desemprego registradas no País, a tesoura da concessionária ficou mais afiada e mais implacável. Soma-se a isso a queda de qualidade no atendimento aos clientes, como, por exemplo, quando demora a religar o fornecimento de quem liquidou os débitos vencidos e ainda cobra uma taxa para cumprir o que seria mera obrigação.
RANKING
Em 2018, um levantamento da Superintendência para Orientação e Defesa do Consumidor (Procon/MS), órgão vinculado à Secretaria Estadual de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (Sedhast), apurou quais as 100 empresas que naquele ano a população considerava as piores no ranking das prestadoras de serviços e com maior número de reclamações aos órgãos de defesa do consumidor. A Energisa ficou no topo da lista, com registro de 2.489 reclamações, um patamar bem alto para uma empresa que monopoliza este serviço. A segunda colocada em número de denúncias e queixas foi a Águas Guariroba S/A, com 1.618 notificações dos consumidores.
Vale observar, a propósito, as observações feitas à época pelo superintendente do Procon Estadual, Marcelo Salomão, sobre esses dados: “Esta é uma das razões para o órgão estar sempre atento às demandas do consumidor. Existem empresas que se dão ao direito de prestar serviços sem qualidade, certamente por entender que estarão fora do alcance dos rigores da Lei”. E fez a ressalva: “Nenhum consumidor que nos procura deixará de ter sua demanda verificada. Constatada a veracidade, autuamos o infrator e, feita a avaliação, aplicamos a multa correspondente”.
NOS ESTADOS
Vários estados e organismos representativos da sociedade intensificam a procura do Judiciário e do Ministério Público na esperança de barrar os abusos tarifários das concessionárias. Em Mato Grosso, a Superintendência Estadual de Defesa do Consumidor registrou 2.535 reclamações em janeiro de 2019. Foram 1.503 reclamações no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) e outras 1.032 pelo atendimento on-line, no site www.consumidor.gov.br. Segundo as informações do Sindec, a área de “Serviços Essenciais” liderou o ranking com 1.088 reclamações, encabeçado pelo setor de “Energia Elétrica”, com 540 atendimentos; seguido por “Água e Esgoto”, com 284 registros; e “Telefonia Celular”, com 169 reclamações.
Em Rondônia, no final do ano passado, a Ordem dos Advogados do Brasil ingressou com uma Ação Civil Pública contra a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Eletrobras Distribuição Rondônia (Ceron), essa última, adquirida pelo grupo Energisa por meio do leilão realizado pelo BNDES e atual titular da concessão para exploração do serviço de distribuição de energia elétrica no estado. A OAB/RO buscou o Judiciário tentando anular a Resolução da Aneel que homologou o processo de revisão tarifária para a distribuidora de energia, aprovando o aumento de 25,34% para cerca de 641 mil unidades consumidoras existentes em Rondônia.