Assim como fez diante do caos na saúde pública, quando se esquivou da própria responsabilidade e apontou o dedo para os usuários do SUS, profissionais do setor e até o secretário Marcelo Vilela, o prefeito Marquinhos Trad (PSD) faz o mesmo agora para encarar as críticas ao transporte coletivo de Campo Grande: lava as mãos e põe a culpa nos outros. No caso da saúde, ele praticamente enxotou o secretário Marcelo Vilela, aplicando-lhe o carimbo da falta de gestão, e deixou expostas ao julgamento da opinião pública as responsabilidades que jogou para cima dos pacientes e profissionais da rede.
Para devolver as sérias e ponderadas observações do diretor da Associação das Empresas de Transporte Coletivo (Assetur) e presidente do Consórcio Guaicurus, João Rezende, para quem não há como investir milhões em novas frotas de ônibus para trafegar precariamente por ruas mal cuidadas, esburacadas e encaroçadas, Marquinhos ameaçou suspender a concessão.
A chantagem foi o recurso empregado pelo prefeito para não ter como explicar porque ele, como gestor da cidade, não fez em dois anos de mandato o mínimo necessário para que o pavimento das vias públicas pudesse garantir a locomoção tranquila dos veículos, sobretudo nos corredores do transporte coletivo.
Segundo o prefeito, o contrato não deve ser negociado e o Consórcio Guaicurus e eles devem responder para a Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos (Agereg) sobre a autuação para renovar a frota em 15 dias, sob pena de multa de R$ 2,7 milhões. Os empresários desembolsam milhões para adquirir ônibus novos e outros milhões para cuidar da manutenção permanente dos veículos que estão operando.
A Assetur presta contas de suas ações, informando inclusive quando encostam os ônibus com o tempo útil de uso esgotado. Marquinhos não gostou da explicação de Rezende e disse, em tom raivoso, que sua obrigação é cuidar da cidade e a do empresário é cuidar do transporte coletivo.
DESASTRES
Entre os cuidados de um e outro, aqueles que a cidade exige são essenciais e estão em prioridade na ordem de preferência em relação ao transporte. Primeiro, é preciso que a Prefeitura trate bem das ruas da capital e dê a ela condições plenas de trafegabilidade, sobretudo nas linhas de ônibus. Feito esse cuidado, aí entra a obrigação do empresário do setor, que é cumprir suas contrapartidas na concessão, entre as quais investir na renovação periódica da frota. Se fizer isso sem ter ruas trafegáveis, nenhuma empresa vai querer uma concessão para ter prejuízo em cidade esburacada e sem manutenção.
Provas dos transtornos e desastres sociais e econômicos que o descuido da administração municipal causa estão acontecendo todos os dias. Na tarde de terça-feira passada, por exemplo, um ônibus transportando estudantes encalhou num areião na região da Chácara dos Poderes. Havia alunos de escolas públicas municipais e estaduais, que sofreram o maior prejuízo: perderam as aulas. Pela manhã, um carro de passeio também ficou preso. Com o volume de lama acumulado desde a última chuva, há menos de uma semana, a estrada EW-2, na saída para Três Lagoas, ficou intransitável.
O ônibus escolar fazia o percurso de volta com os alunos que estudam no período noturno. Morador da região há 25 anos, Dirceu Carola conta que o veículo busca as crianças e distribui nas escolas da cidade. Por causa do incidente, as que estudam no período da manhã não foram levadas para as escolas. Quando passou pelo local, por volta das 7 horas, Dirceu encontrou o veículo ainda sem qualquer previsão de retirada. “Isso acontece diariamente. Estamos ilhados com as estradas intransitáveis”.