Por ser injusta e exorbitante, a política tarifária das concessionárias dos serviços de energia elétrica e água tratada em Mato Grosso do Sul está enfrentando uma resistência sem precedentes por parte da população e de seus representantes sociais e políticos. A exemplo da mobilização organizada pela Câmara Municipal de Campo Grande com vereadores da capital e do interior há duas semanas, a Assembleia Legislativa realizou no dia 11 de março uma audiência pública que fortaleceu o movimento contra os valores abusivos das contas de luz cobradas pela Energisa.
Os presidentes dos dois poderes – o deputado Paulo Corrêa e o vereador João Rocha, ambos do PSDB – deram sequência à iniciativa que articularam para reforçar o papel das organizações responsáveis pelo controle social e buscar uma solução de justiça tarifária que, acima de tudo, contemple os direitos do consumidor. Na audiência, o propósito inicial era buscar esclarecimentos sobre os critérios que amparam a fixação de contas tão elevadas para a grande maioria do povo.
Intitulada ‘Desvendando o Aumento, a Composição da Fatura de Energia Elétrica e a Efetivação da Tarifa Social no Estado de Mato Grosso do Sul’, a audiência foi convocada a pedido formalizado pelos deputados José Carlos Barbosinha (DEM) e Marçal Filho (PSDB).
JUSTIFICATIVAS
Os valores exorbitantes, especialmente nos meses de dezembro de 2018 e janeiro deste ano, motivaram uma intensa abordagem. Segundo a empresa, o aumento se deve às elevadas temperaturas, que ocasionam maior consumo. “Há um uso maciço e de longa duração de eletrodomésticos, sobretudo ar-condicionado e ventiladores”, segundo o diretor da Energisa, Marcelo Vinhais. “Esse não foi um fato isolado no estado. Houve aumento também nas regiões Sul e Sudeste. Isso é cíclico. Todo dezembro e janeiro aumenta, mas em 2018 e 2019 foi atípico, porque foi muito quente. A soma de tudo foi a causa da variação das faturas. Houve variação de consumo, não há erro, a tarifa é a mesma”, justificou.
Técnicos explicaram que do valor total da fatura 30,17% são para geração da energia, 3,65% vai para transmissão, 20,43% para distribuição e 45,75% referentes a encargos e impostos. No entanto, de acordo com a presidente do Conselho de Consumidores da Área de Concessão da Energisa (Concen), Rosimeire Cecília da Costa, a tarifa poderia ser reduzida se houvesse desoneração do setor elétrico. “Há questões que precisamos rever no Legislativo, pois as empresas cumprem o que está determinado na lei. Hoje nós temos nos impostos e encargos da tarifa da energia elétrica valores referentes a políticas públicas. A Energisa fornece mais energia para residência, mas há um valor cobrado na conta para subsidiar o meio rural, que já está muito subsidiado”, opinou.
“Não queremos tirar o subsídio, só não queremos que a tarifa elétrica subsidie isso. Temos lobby para reverter, esse subsídio deveria ser pago com dinheiro do Tesouro Nacional e não da tarifa”, defendeu Rosimeire Costa. A má qualidade e a falta de manutenção das redes elétricas também foram questionadas como uma hipótese para aumento dos valores da fatura. O representante do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnolgia (Inmetro), Alex Lessa, incentivou o consumidor a pedir a aferição dos medidores de energia para verificar se há alguma alteração no equipamento que possa ocasionar leituras incorretas no consumo.
SEM TRANSPARÊNCIA
A defensora pública Mariza Fátima Gonçalves questionou a empresa sobre a falta de informações ao consumidor. “Quando pegávamos a fatura de 2016, havia um quadro explicativo e conseguíamos desvendar alguns dados de forma inteligível. Agora reduziram o papel de impressão da conta, distribuíram os dados pela fatura inteira. Tem que modificar para o consumidor saber o que está ali. Informação é poder”, disse. A defensora também alegou falta de transparência no site da Energisa e indagou a atuação da empresa. “Fui surpreendida com uma modificação no site exigindo que o consumidor tenha e-mail para acessar dados. E o pessoal de baixa renda? As pessoas idosas que não sabem operar e-mail?”, indagou.
A representante do Procon/MS, Patrícia Mara da Silva, falou sobre a atuação do órgão nos casos sobre a Energisa. “Nós recebemos a reclamação individual e enviamos e-mail para empresa. Não havendo acordo entre as partes, na audiência de conciliação, é instaurado processo administrativo. Também já instauramos processo de âmbito coletivo e estamos colhendo reclamações de todos os Procons de MS para mandar para o Ministério Público Estadual”. O deputado Barbosinha cobrou do órgão as informações referentes às irregularidades apuradas, para ter dados concretos embasando investigações futuras.
Sul-mato-grossenses de várias regiões do Estado compareceram à audiência pública, entre eles Cássio Amaral, de Caarapó, representante do movimento popular nas redes sociais contra o abuso da energia elétrica. “Nós não estamos sabatinando você, Energisa, não estamos falando mal de você. Nós só queremos que o valor da energia elétrica em Mato Grosso do Sul seja diminuído. E para isso acontecer temos total informação de que não é só você, Energisa, que precisa fazer isso. O governo tem que vir do seu lado e precisamos da presença maciça dos nossos representantes da Assembleia Legislativa e dos vereadores”, disse Amaral durante o período aberto para que o público fizesse perguntas à empresa.
Ao final da audiência pública – que contou com a presença dos deputados Marçal Filho (PSDB), Zé Teixeira (DEM), Renato Câmara (MDB) e Capitão Contar (PSL) – Barbosinha enfatizou a continuidade do trabalho sobre as contas de energia elétrica em MS. “Se vai diminuir a conta ou não, só o futuro vai dizer. Nós temos que buscar elementos. E a reunião tem um caráter técnico de levantar informações. Quando temos dados, números, estatísticas, isso subsidia a Assembleia Legislativa. Vamos continuar recebendo novas informações”, finalizou.